Nasci, aos vinte e seis de dezembro de mil novecentos e quarenta e oito, num pequeno povoado chamado Riacho dos Cavalos, pertencente ao município de Catolé do Rocha, sertão paraibano. Fui recebida numa família numerosa, de pais amorosos e irmãos afetuosos. Sou a caçula das mulheres, a oitava, num total de nove filhos. Meus genitores não tinham quase nada de instrução, mas de uma sabedoria excepcional, que souberam conduzir sua prole com dignidade.
Batizada com o nome de Maria das Neves escolhido
pela minha mãe, que fazia questão de me chamar pelo nome completo. Ganhei o
apelido de Neneca de minha irmã Iracy, um ano mais velha do que eu. No decorrer
da jornada todos foram me chamando de Neneca, e confesso que é muito do meu
agrado.
As lembranças, até meus quatro anos, são vagas.
Chegam à memória longínqua uma viagem de trem que fizera com meus pais e alguns
dos irmãos. Outra vez foi quando estava doente e minha mãe chamou um senhor
para me aplicar uma injeção. Sempre que esse senhor passava em frente a nossa
casa eu dizia: Mãe, lá vem o homem e corria com medo. Convenhamos que não seja
nada agradável para um adulto, imagine para uma criança.
Menina franzina, pele morena clara, olhos e cabelos
pretos, sendo estes últimos lisos, resultado da miscigenação portuguesa e
indígena.
Nos meados da década de mil novecentos e cinquenta
nossa família mudou-se para um sítio pertinho de uma vila chamada Conceição,
município de Catolé do Rocha. Meu pai foi administrar a fazenda de um amigo
muito querido, que morava na capital do estado. Ele deixou a sua propriedade
entregue aos meus irmãos mais velhos, situada no sitio Jenipapeiro reduto da
nossa família, a dez quilômetros de Riacho dos Cavalos.
Aos seis anos começo a aprender as primeiras
letras. Tempo da palmatória, da sabatina. Estudiosa e aplicada fui conquistando
pouco a pouco o domínio da leitura e quase não sofri o castigo usado pela
metodologia daquela época.
Fui crescendo de maneira tranquila, saudável e com
liberdade de poder correr, brincar e desfrutar a natureza condizente com o nosso
sertão nordestino. Nas manhãs mais frias sentia a brisa do vento bater ao rosto
e o sol nos alimentando com sua energia vital. A cada alvorecer ouvia o trinar
de uma variedade de pássaros compondo uma verdadeira sinfonia.
Lembro ainda do leite puro no curral, os banhos de
açudes, pois aprendi a nadar bem pequena. Na fantasia de criança, vivia de
maneira singular e aquele lugar era um paraíso para mim.
Quando a noite chegava era iluminada pela luz do
lampião e todos saiam para o alpendre, onde as redes armadas nos esperavam.
Naquele momento podia divisar as estrelas no céu, pontinhos luminosos
como se estivessem enviando mensagens de amor. Nas noites enluaradas olhava
para a lua com um brilho no olhar. Era tão menina ainda e já podia apreciar a beleza
da Criação.
Meu pai e eu tínhamos uma enorme afinidade, mesmo
com sua maneira de ser severo quando necessário. Tinha uma grande sensibilidade
e cobria-me de carinhos e mimos. Certa vez pedi um carneirinho e ele procurou,
dentro do rebanho, um com o dorso manchado, assemelhando-se a uma sela.
Imediatamente o batizei de “Manchado”. Com suas próprias mãos confeccionou um
arreio de sola bem delicado e colocou-o no animalzinho, que serviu assim do meu
brinquedo preferido. Quando montava o meu carneirinho saia faceira correndo
pelo pátio sentindo-me a criança mais feliz da vida.
A figura materna também foi muito marcante em minha
infância. Minha mãe sempre com uma abnegação inigualável, cuidava de todos os
filhos com seu amor materno incondicional e com a tranquilidade de um espírito
que evoluía a cada dia na senda da existência.
Qual não foi minha alegria quando recebi de presente, de uma amiga da família, a minha primeira boneca sem ser de pano, daquelas que fecham os olhinhos, cabelos de tranças e que chorava. Ainda guardo comigo, como memória viva da minha infância.
Continuo contando minhas memórias no próximo texto.
Neneca Barbosa
João Pessoa, 15/01/2006
4 comentários:
Adorei tudo o que você escreveu de maneira simples e comprensível. Em palavras você retrata não só a sua vida mas a de muita gente.
P A R A B É N S!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Comecei pelas Memórias e já estou ansiosa para ler o retante, adorei, com certeza ficarei presa às suas escritas até o final.
Parabéns!!
02/09/2007
Levina
tia adorei a parte do seu "carneirinho manchado"!!!
achei muito lindo qdo vc retratou o cuidado e o carinho q vovô teve p lhe dar tal presente! Vendo vc falar dele assim, só me faz relembrá-lo, de como ele era carinhoso! Me emocionei tb viu!
beijos!
Júlia!
P.S.: seu blog já está add aos meus favoritos. sempre q tiver um tempinho, estarei lendo-o!
Aprendi coisas novas de nossa cultura lendo suas postagens; apesar do mundo encontrar-se em constante mudança, são escritos como os seus que permitem que as memórias não sejam esquecidas, principalmente pelas gerações atuais e vindouras.
Estou comentando apenas nessa postagem, porém, refirindo-me as outras que também degustei como boa, agradável e instrutiva leitura, que inclusive me possibilitaram perceber com um novo olhar uma época que talvez hoje só encontremos na literatura.
com apreço
Pablo
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