A Casa
onde morava a família era grande, mas sem a arquitetura das construções de
hoje; salas amplas, bons quartos, cozinha grande e fogão à lenha. Tudo muito
rústico.
Minha mãe, um pouco introvertida e ao mesmo tempo alegre,
cuidava de tudo com muito esmero. À proporção que as irmãs mais velhas iam
ficando mocinhas ajudavam com os afazeres domésticos.
Cozinhava
muito bem. Fazia doces de diversas qualidades, sempre de acordo com as frutas da
época. No final do inverno, depois da colheita, tinha a comida de milho feita dos seus derivados e que fazia com suas mãos de fada. A família se deleitava
com a deliciosa canjica, a pamonha e o bolo de milho. Gostava
de cantar enquanto fazia a lida e posso dizer que herdei dela este hábito
prazeroso.
Ah, a
memória! Como ela registra essas lembranças que se perpetuam por toda nossa
existência. Lembro ainda de algumas músicas de sua preferência: "Quero
chorar não tenho lágrimas", "Meus oito anos" e "Meu sublime
torrão". Tinha também as preferidas do meu Pai: "Sertaneja",
"Cerejeira em flor", "Cigana", "Cai à tarde" e
"Saudade de Matão". O rádio ABC era o nosso único veículo de
comunicação. E
continuava no mesmo ritmo a minha meninice, desfrutando o melhor que tinha para
ser vivido naquela época, de maneira livre, tendo a natureza como cenário.
Achava
fantástica a chegada dos ciganos no sítio. Vibrava de alegria quando eles
pediam, ao meu pai, pousada por dois ou três dias e às vezes ficavam até por
uma semana. Com sua generosidade, o meu ídolo, permitia que armassem suas tendas
no pátio da nossa casa. Tinha confiança nos líderes e fazia negócios entre
animais de montaria. Eu passava boa parte do dia brincando com as crianças e
ouvindo as histórias daquela gente nômade, que me encantava. Talvez, seja por
isso, que sempre digo que em alguma das minhas vidas vividas fui cigana.
Qualquer
acontecimento era motivo de festa para mim. Os batizados e os casamentos, por
exemplo. Meus pais eram sempre convidados para serem padrinhos de tão sérios
compromissos na vida do ser humano (pelo menos naquela época), pois ganharam a
simpatia e a consideração de todos da redondeza. Meu pai, figura querida e
respeitada pelo sim, sim e pelo não, não, jamais vi falhar com os compromissos
assumidos. E hoje, conscientemente assino embaixo.
Os
casamentos eram sempre realizados pela manhã na igrejinha da vila. A família
inteira era convidada. Ao término da cerimônia todos se dirigiam à casa da
noiva para saborear um delicioso almoço com galinha de capoeira, arroz de graxa
ou de festa, como era chamado, e tantas outras iguarias próprias do sertão
paraibano.
Enquanto
todos já tinham se deliciado com a comida, um trio de tocadores com a sanfona,
o zabumba e o triângulo iam se preparando para iniciar o baile. Era costume da
época, principalmente na zona rural, os bailes começarem à tarde, lá pelas
quinze horas. Algumas pessoas faziam no pátio da casa um piso de cimento,
outras devido aos parcos recursos, faziam em chão de barro batido. Quem é
sertanejo entende esta linguagem. Foi assim que comecei a aprender a dançar.
Tinha na época sete anos e meu par era minha irmã Iracy, que citei no primeiro
texto. Ficávamos na parte externa do dance para não atrapalhar os demais. Até
hoje gosto de dançar.
Outro
momento de diversão era a festa da padroeira da vila e que lembro ainda do
nome: Nossa Senhora da Conceição. Dividia-se em dois momentos, um sagrado e
outro profano. Terminadas as cerimônias do primeiro, dava-se início a festa
profana com quermesses, comidas típicas da região, bebidas, música e leilões de
objetos e animais. Era tudo muito divertido principalmente para a garotada.
Algo de
engraçado me aconteceu e que me faz rir ainda quando me lembro do nefasto
episódio. Tinha muito medo de pessoas quando morriam, não olhava, corria
léguas. Numa manhã de sol, minha mãe mandou que eu fosse com minha irmã comprar
café e açúcar na venda do vilarejo. E lá fomos nós pulando e cantando, felizes
da vida.
Ao
voltar para casa, avistei de longe um enterro que vinha na estrada principal.
Com que cena me deparei naquele instante! Ao olhar para o horizonte, vejo uma
rede balançando para lá e para cá e sabia que ali tinha uma pessoa morta. Para
não passar por ela fui por dentro de uma roça e quando cheguei em casa estava
com a barra do vestido toda cheia de carrapichos. Contei o ocorrido e minha mãe
com toda paciência foi tirando um por um. Como sabia a filha que tinha,
imaginou o pavor que senti diante de tamanho quadro.
Vou
ficando por aqui, mas esperem que trarei outros.
Neneca
Barbosa
João
Pessoa, 18/01/2006.
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