Voltando ao passado, sertão paraibano. Fica ali
entre serras, serrotes e caatingas o sítio Jenipapeiro, onde vivi parte da
minha infância.
Para o nordestino há praticamente duas estações: o
inverno e o verão. Com a chegada das chuvas a paisagem se transforma em um
verde especial, como num passe de mágica. O sertanejo que antes sofria com a
terra árida, volta a sorri de felicidade por receber de Deus tão grande dádiva.
Naquele rincão vivi dias felizes. No período das
chuvas sentia a alegria voltar ao meu viver, mesmo sendo ainda tão criança.
Dormia ouvindo o som da chuva caindo no telhado a me embalar com se fosse uma
canção de ninar. No dia seguinte ao raiar do sol no horizonte, era despertada
pela bela sinfonia da passarada. Ouvia o cantar do bentivi, da rolinha, do
concriz...Tinha ainda o canto da casaca de couro. Ah, esta fazia seu ninho numa
frondosa cajaraneira, quase centenária e que ainda hoje existe nos fundos da
casa. O ninho era um emaranhado de cipós e gravetos para proteger os seus
filhotes ao nascerem.
Era tudo tão simples, mas verdadeiro! Uma vida
saudável onde o frescor da brisa banhava meu rosto com suavidade. O oxigênio
puro era absorvido pelos pulmões e não havia o temor de buscar viver a vida de
forma singela.
A terra era preparada para o plantio das sementes
do arroz, feijão e milho. Gostava de ir cedinho, juntamente com Iracy, minha
irmã inseparável, para uma pequenina roça que ficava pertinho de casa. Lá
ajudávamos ao nosso pai e um dos irmãos no plantio das sementes. Eles com a
enxada abriam as covas e nós duas íamos colocando os grãos, na esperança de
eles nascerem e produzirem frutos para o nosso sustento. Não fazíamos por
obrigação, mas como divertimento. Quando estávamos cansadas voltávamos para
casa, mas antes saboreávamos de uma deliciosa melancia, aberta ali na hora pelo
nosso pai. A gente fazia nossa festa!
Depois da colheita, qual não era a minha alegria
quando meu querido pai anunciava que no final da tarde, após a ceia, haveria a
debulha do feijão e que naquela noite iriam se reunir adultos e crianças para o
evento. Casa cheia! Tudo era feito de maneira manual, pois não existiam
máquinas com suas engrenagens que poderiam, em poucas horas, fazer o trabalho
daquela gente. A Comunidade era composta por pessoas todas da mesma família,
mas com poucos recursos financeiros. Na hora aprazada todos estavam ali,
prontos para contribuir com seu trabalho, não lhes faltando a coragem, a
solidariedade, o esforço e acima de tudo a alegria.
E o momento esperado chegou! Quase sempre a lua
cheia fazia parte daquele cenário. Lamparinas eram acesas para clarear o
interior da casa. Lençóis grandes eram estendidos ao chão na sala de estar e
neles eram colocadas as vagens do feijão. Sentavam-se todos para iniciar a
tarefa planejada. Óbvio que preferíamos ficar perto daqueles que mais
gostávamos. Como era animado! Conversas iam e vinham, risos e gargalhadas,
frutos das histórias contadas pelos mais velhos. Era um momento também que a
moçada aproveitava para namorar.
Às vezes, era tanta gente que não cabia ao redor
dos grandes lençóis! Duplas se organizavam e recebiam cuias feitas de cabaças,
frutos colhidos da planta chamada cabaceira, na qual sua folhagem subia
geralmente nas cercas de pau-a-pique. De repente, alguém dizia: “D.
Júlia, tem mais uma cuia?” Não era o espaço que faltava, era um namorico que
estava nascendo e precisava de um reservado para que a conversa fluísse com
mais naturalidade. Como agrado era servido o café feito no fogão à lenha, pela
minha saudosa Mãe, para deixar aquela gente desperta do sono que teimava em
chegar. Dormir cedo, no sítio, era o costume daqueles habitantes que
enfrentavam no dia a dia o cansaço físico, pelo trabalho no campo.
Quando terminava a debulha todos voltavam para suas
casas, felizes por terem ajudado ao seu semelhante. Florescia, como a
primavera, a solidariedade humana, em
que as pessoas não se preocupavam
com o Ter e sim com o Ser.
A evolução da Ciência é inegável. Temos hoje todos
os tipos de máquinas que substituem o trabalho braçal. Ah, como faz falta o
aconchego, a sensibilidade e o calor humano!
Com emoção sinto dentro de mim a beleza da minha
gente, onde a maioria já não está mais aqui. Por isso, procuro através do
autoconhecimento perpetuar os valores adquiridos, que guardo bem vivos em minha
memória.
O tempo vai passando e tento utilizá-lo da melhor
maneira possível. Que possamos ter uma Vida bem mais saudável, encontrando
tempo para sonhar, cantar e amar!
Neneca Barbosa
João Pessoa, 18/05/07
4 comentários:
Que beleza, Neneca.
Como a paisagem, os usos e costumes são diferentes daqui do sul.
Grande abraço!
Neneca,
Adorei cada linha,cada detalhe contido nas figuras!
Maravilhosos tempos de tua infância,minha amiga.Que interessante a figura da lavadeira,e quantas saudades deu-me agora,os velhos carros de bois...mas confesso-te também,os meus olhos cheios d'agua,ao lêr "Debulha Do Feijão".Tivestes a infância humilde,porém marcada de boas lembranças.Lindo recanto o teu blog,minha amiga.Maravilhoso trabalho.Parabéns!
Beijosssss...
oowww tia! Estou até emocionada com tanta coisa linda q a senhora está nos dando de presente! Sou sua sobrinha e não sabia d muita coisa q já foi escrito!
Dentre os q eu li, q ainda não são todos, "debulha do feijão" se destacou pela riqueza de detalhes e pela emoção q a senhora nos passou!
PARABÈNS! Estou muito orgulhosa do seu dom com as palavras!
Beijim! :)
Júlia
Lindo...mais uma vez me emocionei ...é a mais pura verdade...Nos dias de hoje "TER" é mais importante pra maioria das pessoas...esquecem do amor verdadeiro, do companheirismo e da riqueza da alma.
Maravilhoso...parabéns amiga!!!
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